segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Monólogo das mãos

Para que servem as mãos? As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, xaltar, construir, trabalhar, escrever...
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário. Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena, foi com as mãos que Jesus amparou Madalena. Com as mãos David agitou a funda que matou Golias. As mãos dos Césares romanos decidia a sorte dos gladiadores vencidos na arena. Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência, os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda, o operário construir e o burguês destruir, o bom amparar e o justo punir, o amante acariciar e o ladrão roubar, o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba!
Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões, os remédios e os venenos, os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor.
Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes.
No volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
O autor do Homo Rebus lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida, a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
A mão aberta, acariciando, mostra a bondade, fechada e levantada mostra a força e o poder, empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes, da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.
Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza, doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade.
O noivo para casar-se pede a mão de sua amada. Jesus abençoava com as mãos. As mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino.
E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.



Oduvaldo Viana (1892-1972)

Dia branco.

      Aqui estamos nós, parados no mesmo lugar, sem perceber, que o tempo voa
como um pássaro a voar, como um pássaro a cantar, e sussurrar só pra nós, que é hoje
que a terra completa uma translação inteira em torno do sol. 
E que parece ontem, o dia que sentamos na grama e abri o diário rosa,
e que parece anti-ontem, que estava no banco alto de cerveja olhando pra escada rolante,
e que parece semana passada, que te vi tropeçar olhando pra trás
e um dia antes, avistei de cima, alguém que achei que seria nada, só alguém que vi.
     Vários momentos e registros, também.
Apelidos, brincadeiras e bobeiras.
São boas as lembranças, os choros velas e fitas amarelas.
Desde um Aham ao telefone, até as mãos pequenas.
Um desenho, uma carta.
Um dia inteiro discutindo o que comer,
Ou um dia inteiro que passou como um segundo
Num quarto azul com brigadeiro.
     Definitivamente não foi uma chuva de azul, rosa e sabe-se lá o que!
Foi um dia branco. Porque o branco é a junção de todas as mais perfeitas cores existentes.
    E hoje tento trazer meu amor em meio a um gesto bobo, mas que se lembre, e lembre
de verdade, todos os dias que olhar o céu e as estrelas, vai saber, do que um dia falamos.


Vide: http://letras.terra.com.br/geraldo-azevedo/46156/